Thursday, March 18, 2010

Tenho muito que perder...

Um mendigo chamado João, homem simples, mal cheiroso, mas que gostava de ouvir fielmente a palavra de Deus todos os domingos no culto noturno da minha igreja. Não entrava na igreja por decisão própria e ficava a porta ouvindo a mensagem. Algumas vezes, espiava o culto pela janela. Ele era um mendigo, velho e cheirava não agradavelmente no meio dos demais membros da igreja.

Depois de seis anos morando fora do país, encontrei-o novamente. Mas desta vez, ele estava sentado numa calçada a margem daqueles que passavam. Quando parei o carro e desci para lhe perguntar se me reconhecia, ele imediatamente disse meu nome, levou a mão ao rosto e começou a chorar chamado-me de “meu pastor”. Sentei-me na calçada para conversar um pouco com ele, uma ovelha não muito comum. Foram horas de conversa. Pediu-me para ler algumas passagens do seu livro que mantinha em suas mãos. Quando, propositalmente procurei ler a capa do livro verifiquei que se tratava do Dicionário de Teologia Internacional do Velho Testamento. Confesso, que, tive várias indagações originadas por não compreender o repentino encontro. Uma teologia que não muda uma situação social de seus admiradores? Por outro lado, perguntei-me: O que de fato o evangelho nos promete? Imediatamente perguntei a minha singular ovelha esta última indagação. Prontamente, ele me respondeu sem titubear: a Salvação! Seguidamente, passou a fazer teologia com uma autoridade experimental do lado da pobreza. Juntos, sentimos a presença daquele que nos fazia um.

O onipresente se tornou ausente no céu. Quando refletimos sobre a obra de Cristo na Cruz, não temos palavras para expressar a não ser concordar que aquele que era presente tornou-se ausente para se fazer presente onde Ele era ausente em nossos corações. O que Ele perdeu fazendo algo para alguém que não merecia a sua atenção? Por que ele realizou os desejos divinos que exigiu a sua abnegação destinada para aqueles que não tinham nada para lhe dar? Por que a sua caminhada numa terra empoeirada e deserta era mais importante que continuar no meio daqueles que o serviam com toda transparência e dedicação? Por que aquele que não precisava de nada se tornou um necessitado de elementos mesmo que temporários? Talvez a resposta a todas indagações seja o AMOR. Porém, sinto-me extremamente medíocre em aceitar essa resposta de forma simples e passiva. Pessoalmente, acredito que se tem algo mais que o amor da sua parte a nosso favor. O exemplo da sua disposição em dirigir-se na direção daqueles que eram diferentes Dele, talvez seja o maior dos ensinos de sua vida motivado pelo amor. Éramos escravos do medo. Algemados pela igualdade e limitados pela mediocridade da nossa suposta santidade que nos atraia a aqueles que eram iguais a nós e que nos afastavam de Deus.

Cristo veio e veio para todos sem distinção. Caminhou, sentou, conversou e comeu com os pecadores mesmo sabendo que isso poderia lhe custar muito caro. Mesmo sabendo que muitos não reconheceriam a sua suprema dedicação e visão sobre vida, Ele assim o fez. Por que? Ele tinha muito a perder, mas assim fez porque a maior perda seria o anular-se a si mesmo. Seria negar o que Ele é e sempre será, o onipresente presente na existência da sua criação.

É impressionante notar que nos dias de hoje, mesmo afirmando e crendo que temos o sacerdócio de Cristo, não encontramos a disposição de andar na direção daqueles que pensam diferentemente de nós. Temos medo de perder o que não nos pertence. Temos medo que a nossa reputação, adquirida daquele que não tinha preocupação quanto aos chavões e criticas religiosas da sua época, venha a ser questionada e restrita. Temos medo de perder um ministério que nada fizemos para tê-lo. Na verdade, continuamos escravos do medo e do gueto da igualdade. Ainda somos os mortais com a mesma síndrome de um poder fingido.

O poder concentrado em poucas mãos no meio da igreja em nossos dias, em nada se diferencia daqueles que oprimiam os demais em nome de Deus no passado, pelo conhecimento da verdade. Entra ano e passa anos, continuamos os mesmos. Porém, o inquietar-se diante de circunstâncias notórias como estas, faz bem a alma. Não nos fará iguais a Cristo o relaxar, aquietar-se, o passivar e se amedrontar diante daqueles que julgam possuir o cedro. Com certeza, se essas atitudes forem encontradas em nós, teremos muito a perder. Temos a chance de nos identificarmos com aquele que quebrou paradigmas. Nisso sim, temos muitos a perder! Muitos outros Joãos andam por ai descobrindo que o onipresente tem se tornado presente no coração daqueles que em sinceridade se abrem e entendem que nada teremos se não tivermos a coragem de sermos diferentes. A maior perda, com certeza, será deixarmos passar a oportunidade de encarnar o Cristo.
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